A CONTRIBUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS PARA AS PRÁTICAS NAZISTAS


Por Enjolras, correspondente da Justiça e do Futuro


A história tem um hábito persistente de ser moldada conforme os interesses daqueles que a contam. Entre os muitos mitos que se perpetuam, poucos são tão bem estabelecidos quanto a narrativa dos Estados Unidos como os libertadores absolutos do mundo ocidental, os grandes heróis que erradicaram o nazismo e restauraram a civilização. Mas, como qualquer homem que analise os fatos com seriedade pode perceber, a realidade raramente é tão simples. O que se omite nos discursos de autoengrandecimento é que, muito antes de Pearl Harbor, muito antes das praias da Normandia, os Estados Unidos já haviam contribuído significativamente para o fortalecimento do regime nazista — não apenas com dinheiro e recursos, mas com ideias.
 
 Se os nazistas puderam transformar a Alemanha em uma máquina de guerra, se puderam instituir um sistema de opressão burocrática e genocida em escala industrial, foi porque encontraram apoio e inspiração do outro lado do Atlântico. A base ideológica do racismo institucionalizado, a maquinaria financeira que impulsionou o Terceiro Reich e a estrutura tecnológica que possibilitou o Holocausto não foram produtos exclusivos da mente alemã. Foram, em grande parte, fomentados e facilitados por empresas, intelectuais e políticos dos Estados Unidos.



O CAPITAL AMERICANO FINANCIANDO O TERCEIRO REICH

A ascensão de Hitler ao poder não aconteceu no vácuo. A economia alemã estava em frangalhos após a Primeira Guerra Mundial, atolada em dívidas impagáveis e enfrentando o colapso social. Para reerguer-se, o regime nazista precisou de capital — e encontrou investidores generosos nos Estados Unidos.

Grandes corporações americanas investiram diretamente na Alemanha nazista e ajudaram a sustentar sua infraestrutura militar. Henry Ford, notório antissemita e fundador da Ford Motor Company, financiou abertamente Hitler e teve seu livro O Judeu Internacional amplamente distribuído entre os nazistas. Sua empresa forneceu tecnologia e materiais essenciais para o exército alemão, algo que só foi interrompido quando os EUA entraram oficialmente na guerra.

A Standard Oil (atual ExxonMobil) garantiu que o Reich tivesse acesso ao combustível necessário para mover seus tanques e aviões. A General Motors, por meio de sua subsidiária Opel, construiu veículos militares que foram usados na Blitzkrieg. O Banco Chase, vinculado à família Rockefeller, manteve contas bancárias de nazistas proeminentes e facilitou transações financeiras entre o regime de Hitler e seus aliados.

Mesmo quando a guerra já estava em andamento, essas empresas continuaram suas operações, explorando brechas legais e aproveitando-se de negócios intermediários para manter seus lucros intactos. Muitas só encerraram seus vínculos quando se tornou impossível escondê-los.

O EUGENISMO AMERICANO COMO INSPIRAÇÃO PARA O RACISMO NAZISTA

Mas o apoio dos Estados Unidos ao nazismo não foi apenas econômico. Foi também ideológico. A obsessão de Hitler pela "pureza racial" e pela necessidade de "proteger a civilização ariana" não nasceu com ele. O pensamento racial pseudocientífico que sustentava o nazismo tinha raízes profundas nos Estados Unidos.

No início do século XX, a eugenia — um movimento que promovia a "melhoria" genética da população por meio de esterilizações forçadas e restrições reprodutivas — era uma política amplamente aceita nos Estados Unidos. Vários estados americanos aprovaram leis que permitiam a esterilização compulsória de pessoas consideradas "degeneradas", um grupo que incluía doentes mentais, deficientes físicos, pobres e minorias raciais.

O caso Buck v. Bell, julgado pela Suprema Corte em 1927, validou essas políticas. A frase do juiz Oliver Wendell Holmes — "três gerações de imbecis são suficientes" — tornou-se um símbolo da brutalidade institucionalizada da eugenia americana. Quando os nazistas começaram a desenvolver suas próprias políticas raciais, estudaram essas leis meticulosamente. Em 1934, um grupo de advogados nazistas analisou a legislação americana para elaborar as Leis de Nuremberg, que institucionalizariam a perseguição aos judeus e outras minorias na Alemanha.

O próprio Hitler declarou em Mein Kampf que admirava os Estados Unidos por sua maneira de tratar "raças inferiores". Para ele, as políticas americanas de segregação racial e restrição de imigração eram um modelo a ser seguido. O regime nazista simplesmente levou às últimas consequências um projeto que já estava em andamento nos Estados Unidos.

A PARTICIPAÇÃO AMERICANA NA MAQUINARIA DO HOLOCAUSTO

A eugenia americana forneceu o arcabouço ideológico, o capital americano garantiu o financiamento, mas a contribuição dos Estados Unidos para as práticas nazistas não parou aí. A IBM, uma das maiores empresas de tecnologia da época, forneceu ao Terceiro Reich as máquinas de tabulação usadas para catalogar judeus, ciganos e outros grupos perseguidos. Essas máquinas tornaram a logística do Holocausto muito mais eficiente, permitindo que as deportações para campos de concentração fossem organizadas com precisão burocrática.

Sem esse suporte tecnológico, a máquina genocida nazista teria sido menos eficiente. O Holocausto não foi apenas um ato de ódio irracional; foi uma operação sistemática, organizada com o auxílio de ferramentas desenvolvidas por empresas que operavam dentro de democracias ocidentais.

O PÓS-GUERRA: A ABSOLVIÇÃO DOS CÚMPLICES

Se o envolvimento americano com o nazismo fosse um erro isolado do passado, já seria um escândalo suficiente. Mas ele não terminou com a guerra. Após a derrota de Hitler, os Estados Unidos garantiram que muitos de seus cúmplices fossem resgatados, não punidos.

A Operação Paperclip levou dezenas de cientistas nazistas para os Estados Unidos, entre eles Wernher von Braun, um dos arquitetos do programa espacial americano. Enquanto isso, milhões de refugiados, incluindo sobreviventes do Holocausto, ainda enfrentavam dificuldades para emigrar.

A CIA recrutou ex-oficiais nazistas como Reinhard Gehlen para estruturar serviços de inteligência durante a Guerra Fria. Muitos criminosos de guerra escaparam da justiça graças à cumplicidade americana. O que deveria ter sido um momento de responsabilização tornou-se uma continuidade disfarçada.

O SIGNIFICADO DESSA HISTÓRIA

Nenhum desses fatos isenta o papel dos Estados Unidos na derrota do Terceiro Reich. O sacrifício dos soldados americanos que lutaram contra Hitler é inquestionável. Mas ignorar o que veio antes e depois da guerra é perpetuar uma mentira conveniente.

A verdade é que o fascismo não se constrói sozinho. Ele se alimenta da conivência de elites econômicas que priorizam o lucro acima de qualquer princípio, da passividade de intelectuais que preferem fechar os olhos para as consequências de suas ideias e da hipocrisia de nações que fingem combater o que, em algum momento, ajudaram a construir.

Reconhecer o papel dos Estados Unidos nas práticas nazistas não é uma questão de revisionismo, mas de honestidade. A história não pertence aos vencedores; ela pertence à verdade. E a verdade é que a luta contra o autoritarismo não pode ser seletiva. Quem deseja realmente impedir que tragédias como o nazismo se repitam precisa ter a coragem de encarar o passado sem ilusões.

Se há algo que a história nos ensina, é que a impunidade e a amnésia sempre foram as maiores aliadas da barbárie. E aqueles que hoje aplaudem o fascismo disfarçado de progresso o fazem porque aprenderam que, no fim, quase sempre, os verdadeiros responsáveis saem impunes.

La vérité ne peut être ignorée, même dans les ténèbres.
Enjolras — Political blog
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